Projeto

A Internet começou a desenvolver seu impactante papel social no mundo há pelo menos três décadas. Conforme o acesso à rede tornou-se cada vez mais amplo, ela revolucionou a maneira como ideias e opiniões circulam, transformando-se em uma verdadeira ágora onde a própria humanidade conversa (e muitas vezes chora, ri e se enraivece) consigo mesma. 

Esse papel se tornou mais proeminente no decorrer dos últimos 15 anos, com a popularização das redes sociais que, em tese, seriam dedicadas a aprimorar e descobrir novas relações e formar grupos de interesse. Essas redes deram espaço para que indivíduos se unissem em suas causas e ampliassem as suas vozes. Comunidades virtuais passaram a se destacar pelo seu poder em mobilizar pessoas, e novos fenômenos de massa surgiram diante deste cenário. 

Ao mesmo tempo, tornou-se um hábito julgar e condenar pessoas pelos seus erros ou quaisquer interações que possam ferir determinado senso de moralidade ou visão política de uma parcela de usuários. À essa entidade amorfa de indivíduos, nós chamamos Tribunal da Internet.

Mentiras e preconceitos são expostos, ofensas são trocadas, reputações assassinadas. A ágora se tornou no panóptico. O Tribunal da Internet é cruel e condena sem direito à apelação ou redenção. A pena imposta é a humilhação pública, a execução vem por meio de ataques, ameaças, disseminação de notícias falsas até teorias conspiratórias. O que começa como um bullying termina como um verdadeiro linchamento virtual. Diferente da justiça convencional, não há um juiz que determine a dimensão da pena e a sentença muitas vezes é desproporcional ao crime cometido. 

O documentário apresenta histórias de pessoas que por diferentes motivos foram julgadas e condenadas pelo Tribunal da Internet, tiveram suas vidas expostas e foram hostilizadas por desconhecidos que por algum motivo se sentem muito à vontade para falar o que quiserem nas redes.

Esses comportamentos trazem à tona questões sobre a relação do indivíduo com o coletivo e sobre como nos sentimos ao ver pessoas sendo ridicularizadas publicamente como forma de punição por determinada conduta ou posicionamento. Para enriquecer essa discussão e entender todo o escopo que ela abrange, o documentário se apoia na visão de especialistas de áreas como psicologia, sociologia, direito e tecnologia. 

Seria esse fenômeno um aspecto obscuro da natureza humana – o de agir em detrimento das vivências e comportamentos alheios – porém agora amplificado pelos meios digitais? Seria talvez o reflexo de visões de mundo precarizados por algo que muitos consideram como o instrumento definitivo de obtenção de conhecimento e formação de opiniões? Ou será que algo perverso se esconde por trás dos interesses das megacorporações que hoje de fato monopolizam os canais em que a humanidade interage consigo mesma? 

Afinal, tudo isso ocorre dentro de plataformas privadas de comunicação pública, desenvolvidas para atender interesses financeiros que podem se chocar com o bem-estar coletivo. Por conta do funcionamento de seus algoritmos, essas redes operam baseadas no princípio de que quanto mais engajamento, melhor – sem distinção entre verdades ou mentiras, aplausos e difamações. Aspecto que é muito utilizado para que governos e outras organizações políticas manipulem informações e incentivem ataques à imprensa e opositores. Nunca foi tão fácil incitar multidões a agir de maneira insensata.

É nesse ambiente cheio de contradições em que atua esse tribunal clandestino onde as regras não são claras e que julga pessoas por não saberem como agir. Onde errar é proibido e nada nunca é esquecido. 

Aos espectadores, membros do júri, pedimos atenção: o tribunal agora entra em sessão.

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